NOTA IBRAC
BOAS PRÁTICAS CONCORRENCIAIS EM MOMENTOS DE COVID-19
O IBRAC – Instituto Brasileiro de Estudos de Concorrência, Consumo e Comércio Internacional é uma entidade privada, sem fins lucrativos, criada em dezembro de 1992 com o objetivo de promover a realização de pesquisas, estudos e debates sobre temas relacionados a defesa da concorrência, comércio internacional e consumo.
O Comitê de Economia do IBRAC foi criado com o intuito de fomentar e ampliar as discussões sobre temas econômicos relacionados à concorrência, à regulação e ao comércio internacional, promovendo e ampliando o conhecimento sobre temas atuais relacionados à interação entre economia e direito, importantes tanto para o Brasil quanto para outras jurisdições.
O Comitê de Economia do IBRAC vem acompanhando com preocupação o crescente número de propostas legislativas e regulatórias, bem como medidas intervencionistas, que visam a algum tipo de regulação de preços ou intervenção em mercados durante o período de calamidade pública causado pela covid-19. São inúmeras as iniciativas propostas por membros dos legislativos e executivos federal, estadual e municipal que não se baseiam em princípios econômicos ou na análise de efeitos e impacto regulatório, podendo muitas vezes provocar justamente o efeito oposto ao pretendido, qual seja, o aumento de preços e a redução da concorrência.
O IBRAC já teve a oportunidade de se manifestar contra tais iniciativas no início do período de pandemia, por meio de nota pública1, mas o volume de propostas de regulação de preços aumentou com o decorrer do tempo.
Nesse sentido, é de se ressaltar a importante função do Departamento de Estudos Econômicos do CADE (DEE-CADE) como orientador das boas práticas econômicas no ambiente competitivo brasileiro.
O Comitê de Economia do IBRAC, portanto, se debruçou mais uma vez sobre o tema, analisou os estudos realizados pelo DEE e resolveu novamente alertar a sociedade sobre os riscos à concorrência que podem ser trazidos por medidas de regulação de preços.
Em suas análises, o Órgão leva em consideração, na concorrência dos mercados, os efeitos de curto e longo prazo, tendo em vista aspectos que afetam tanto a oferta quanto a demanda de serviços e de produtos no mercado.
Dentre os estudos relacionados à pandemia de covid-19 elaborados pelo DEE, foram divulgadas quatro Notas Técnicas que tratam das preocupações concorrenciais em projetos de lei que propõem algum tipo de regulação de preços durante a pandemia.
NT 152: análise do PL nº 881/2020, que dispõe sobre o congelamento de preços de medicamentos.
NT 163: análise do PL nº 1008/2020, que propõe a criação de um preço teto para itens considerados essenciais ao enfrentamento da pandemia (medicamentos, máscara, álcool em gel etc.).
NT 174 alerta para os efeitos negativos relacionados à aplicação de descontos em mensalidades escolares durante pandemia, tais como falência de empresas e concentração de mercado.
NT 195: sobre medidas de estabelecimento de preço teto para a revenda do GLP, como as adotadas pelo Procon-SP, as quais podem causar desabastecimento do produto, sinalização artificial de preço e falência de empresas.
Como pontuado pelo DEE, por mais bem-intencionadas que sejam estas propostas, elas poderão causar ineficiências nos mercados, com potencial de impactarem o nível de oferta e reduzirem a rivalidade pré-existente, gerando efeitos negativos aos consumidores.
Além das ações do DEE, a Secretaria Nacional do Consumidor (“SENACON”) também divulgou uma Nota Técnica6 alertando que preços abusivos ou aumentos arbitrários de lucros devem ser estudados com cautela, levando em consideração as dinâmicas específicas de cada mercado ou produto em análise.
Riscos como o de provocar ou agravar desabastecimentos e falências de empresas não devem ser desprezados. O aumento de custos de insumos, atrelado a preços congelados, pode levar à redução da produção. Ainda, se o preço tabelado for baixo em comparação com o preço de equilíbrio ou de forma que não acompanhe o aumento do custo, haverá incentivo inadequado ao consumo, o que pode gerar excesso de demanda e, consequentemente, desabastecimento.
Além disso, empresas que operam com lucro reduzido podem sair do mercado, cenário que será agravado pela crise, causando uma queda da oferta e, portanto, maior risco de desabastecimento. As empresas são heterogêneas e apresentam estruturas de custo distintas. Limitar suas capacidades de tomar decisões a respeito de seus preços, ainda mais em períodos de flutuações de demanda, de oferta e de custo (vide taxa de câmbio que impacta diversos preços na economia) gera ineficiências no mercado e efeitos perversos de longo prazo.
Portanto, os incentivos econômicos ora gerados nos agentes de mercado podem ocasionar problemas no médio e longo prazo, o que aparentemente não foi avaliado de maneira devida nos projetos de lei e nas medidas adotadas por algumas autoridades. Como resultado, teríamos menos empresas em atividade, comprometimento da oferta de produtos e serviços, redução da rivalidade nos mercados e tendência de aumento de preços.
Existe, ainda, uma assimetria de informação tremenda entre agentes econômicos e governo, pois cada mercado possui sua própria dinâmica. Como efeito, a imposição de intervenções a todos pode gerar aumento da discriminação mercadológica indevida, bem como ineficiências sistêmicas no curto prazo, com consequências severas ao equilíbrio concorrencial no longo prazo. Neste aspecto, a política pública poderá gerar o efeito oposto ao pretendido.
Em adição, há preocupações relacionadas a possíveis caráteres não isonômicos da regulação existente, além da possibilidade de se criar desincentivos à produção, com consequente desabastecimento e provável aumento de concentração no mercado, tendo em vista a possibilidade da saída de players (em especial aqueles que atuam em situação financeira limítrofe) agravada pela situação da covid-19. Por outro lado, um eventual estabelecimento de preços ou faixas de preços de determinado bem ou serviço pode sinalizar valores superiores aos que poderiam ser determinados pelos seus fornecedores, ocasionando um desequilíbrio entre oferta e demanda do mercado.
Portanto, como a atual epidemia afeta de forma bem distinta os diferentes setores, medidas genéricas não são eficientes e ameaçam o bom funcionamento da economia. A atividade interventiva do Estado não deve, assim, ser justificada por eventuais oportunismos, que devem ser identificados e tratados pontualmente. Análises caso a caso mostram-se necessárias tanto do ponto de vista econômico quanto do jurídico, pautadas nos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.
Assim, entende o Comitê de Economia do IBRAC que é importante preservar o ambiente competitivo durante e após o período da pandemia, de tal forma que os efeitos desta crise não se agravem ainda mais.
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2 .Disponível em: <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/publicacoes-dee/nota-tecnica-15-2020-dee-cade.pdf>.
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